Revista Melhores Práticas

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Bem estruturado, processo de sucessão ajuda a garantir perenidade do negócio

Imponente, a figura do fundador de um hospital traduz a alma da instituição e reflete a credibilidade dos serviços oferecidos aos pacientes. Em empresas familiares, essa marca é ainda mais forte, chegando ao ponto de um hospital ou uma clínica privada, ter o nome de quem o construiu lá no começo, tijolo por tijolo. Mas como planejar-se para o futuro? Como perpetuar aquele negócio moldado com tanto esforço?

O ponto crucial, concordam os especialistas, para um processo de sucessão bem definido é o planejamento. “Quanto mais cedo houver preparação, mais cedo envolver a organização nesse processo, mais fácil ou menos traumática será a sucessão”, destaca Fernando Curado, especialista em sucessão de empresas familiares e fundador da consultoria MSCI Governança e Estratégia. É preciso ter consciência também, diz Curado, de que a finitude também faz parte da existência do ser humano. “Um dia, esse dono do hospital vai ter de parar, ser substituído”. Trata-se de uma espécie de reinvenção, com o objetivo de manter o alto nível da companhia.

Planejar a sucessão em negócios familiares envolve saber o desejo do fundador, com questões como, por exemplo, o que clientes, pacientes, médicos e comunidade percebem sobre a instituição. “Um grande nome na área de saúde atrai profissionais competentes. E a atração de profissionais competentes cria um círculo virtuoso de sucesso”, explica Curado. Nesse sentido, é fundamental que o conhecimento e a expertise criados pelo hospital não se diluam com a passagem do bastão. “O processo de sucessão passa por uma transferência de conhecimento”, pontua Curado.

O caminho mais natural é enxergar nos filhos a figura dos sucessores, situação que não deve ser encarada como obrigatória e precisa ser estudada para não trazer problemas no futuro. “Competência de pai não é hereditária. Por isso, o primeiro passo é perguntar se o herdeiro que assumir o comando do negócio”, afirma Fernando Goes, sócio da Ockam, consultoria de governança corporativa. Em situações nas quais o filho não quiser ser o sucessor natural, a alternativa mais comum é ele se tornar um acionista da empresa. Nessa linha também pode ser criado um comitê ou conselho consultivo (leia mais no quadro) que não precisa ser, necessariamente, um conselho ou administração nos moldes daqueles que existem em empresas de capital aberto. O conselho faz a intermediação entre a propriedade, que é o patrimônio da família, e assim profissionaliza-se a gestão.”

Definir se um ou mais filhos vão ocupar a cadeira na presidência da empresa passa por um diálogo que deve começar o mais cedo possível, dizem os especialistas. “A família precisa conversar sobre esse assunto, e os herdeiros precisam escolher entre ser acionista ou trabalhar na gestão da companhia”, explica Eduardo Najjar, fundador do Instituto Macro Transição, especializado em pesquisa e projetos de consultoria para negócios familiares, e autor do livro Empresa Familiar: construindo equipes vencedoras na família empresária (Integrare Editora). “Em relação aos filhos, os fundadores precisam ter consciência de que eles não nasceram para trabalhar  exclusivamente na empresa da família. Incentivá-los a passar por experiências profissionais em outras empresas é uma fase importante do amadurecimento pessoal e profissional”, escreve Najjar em seu livro.

FAMÍLIA UNIDA, NEGÓCIO PRÓSPERO

Najjar defende a harmonia da família como um dos componentes para que o processo sucessório garanta bons resultados, principalmente em relação à proteção do patrimônio. “A sucessão é desenvolver um acordo, chamado de protocolo familiar, documento que terá o que pode e o que não pode ser feito em relação ao patrimônio”, indica. Na prática, trata-se de um conjunto de regras que serão combinas com os integrantes da família e podem abordar dúvidas tais como quais serão os procedimentos caso um dos herdeiros queira vender suas cotas no hospital ou clínica.  

“Comunicação é um dos postos-chave”, resume Najjar. Com esse instrumento, a sucessão começa a ser tratada com menos emoção, um dos grandes causadores de problemas e conflitos. É possível também criar um conselho de família, grupo de familiares escolhidos pela própria família, para tratar de assuntos pessoais que interfiram no negócio. “Os familiares precisam se ocupar da governança do negócio”, pontua. “Se entendem o valor de manter a organização, as coisas ficam mais fáceis”, complementa Curado.

Nesse sentido, outra recomendação que ajuda a construir um bom planejamento sucessório é separar os herdeiros, seja para assumir a gestão, seja para integrar conselhos da companhia. “Os herdeiros, incluindo filhos, sobrinhos e primos, podem ter reuniões com especialistas”, exemplifica Najjar. A ideia é que valores, tradição e história da empresa sejam conhecidos desde cedo por quem pode vir a suceder o comando do negócio. Isso significa “(o herdeiro) interessar-se pela empresa da família, mesmo que não esteja trabalhando nela: entender sua história, saber como conquistou espaço no mercado, quais negócios realizou e realiza, como planeja o seu futuro, como foram os momentos de crise e os tempos de crescimento”, como escreve Najjar em seu livro.

LEGADO E GOVERNANÇA

A falta de diretrizes pode levar a companhia a engrossar a lista das empresas familiares no Brasil que não conseguem perpetuar o negócio. Só para ter uma ideia, apenas 30% das companhias familiares no Brasil chegam a segunda geração. E somente 9% delas conseguem atingir a geração dos netos, segundo o IBGE. Outro dado também preocupa: apenas 11% das empresas familiares brasileiras têm um processo de sucessão que pode ser qualificado como “robusto”, contra 16% da média mundial, segundo pesquisa global sobre empresas familiares feita em 2014 pela consultoria PwC.

Para evitar que o negócio deixe de existir, é fundamental definir regras claras de governança no momento de estruturar o processo de sucessão. “O importante é manter valores e propósitos, a força do legado do fundador” destaca Goes, da consultoria Ockam. “Não pode só introduzir novas táticas de gestão, rasgando valores. É preciso equilibrar tradição e modernidade, o que é feito por meio de governança, regras e processos.”

Quando o caminho natural da sucessão por um ou mais filhos não é escolhido, existe a possibilidade de procurar um profissional no mercado, da área da saúde ou não. “Nesse caso, a pessoa começa a trabalhar no hospital, aprende a cultura da organização, desenvolve-se para, com o passar do tempo, suceder o fundador da empresa”, afirma Curado.

Independentemente de o comando do hospital ficar na mão dos filhos ou de um profissional que não seja membro da família, uma coisa é certa e deve ser levada em conta: o processo sucessório precisa ser feito com antecedência.

Um planejamento prévio, com a criação de estruturas de governança, ajuda a transmitir segurança aos diferentes stakeholders, desde os pacientes até os funcionários que trabalham na companhia. Assim como qualquer tarefa que exija um grau maior de esforço, desenvolver um processo de sucessão tem seus desafios, mas o desfecho bem-sucedido cria valor para a empresa e, principalmente, para quem está ao redor do negócio.

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