Conhecida como uma evolução da carreira em Y, a ascensão em W ganha força em um cenário em que as empresas, mais do que nunca, precisam garantir melhores resultados e sobreviver em um mercado recessivo. A via em Y relaciona o formato bifurcado da letra com a possibilidade de crescer profissionalmente como um gerente ou um técnico. Já o caminho em W, com uma “perna” a mais no símbolo do alfabeto, dá mais chances para que executivos hábeis em gestão de projetos também possam sentar na sala dos diretores. Na prática, é como se as chefias indicassem três ou mais portas para que qualquer funcionário possa fincar seu nome no topo da carreira.
Para especialistas em gestão de pessoas, organizações ameaçadas com perda de mercado, baixos resultados financeiros, queda no atendimento e reclamações de clientes podem absorver o modelo para criar um novo ambiente de trabalho. O caminho em W traz vantagens para o empregador e para o empregado. “A empresa pode valorizar talentos e conseguir números melhores com líderes que conhecem vários setores da organização”, diz Fernando Goes, managing partner da consultoria Ockam.
Já do lado do executivo, aumentam as possibilidades de absorver experiência em áreas fora da formação de origem, o que pode ajudá-lo a se tornar um profissional mais multidisciplinar e disputado. “Ele poderá acelerar a carreira e ganhar empregabilidade.”
Na Embraco, multinacional do setor de tecnologia para refrigeração, a carreira em W dá as cartas há quase dois anos. Do total de 5,5 mil empregados que tem no Brasil, mais de 2,5 mil já estão totalmente inseridos no modelo, sendo 42% nas áreas de operações, qualidade e compras, e 48% nos departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). A novidade é vista como uma segunda etapa da carreira em Y, praticada pelo grupo há 30 anos.
“O foco agora é no poder de escolha do empregado”, explica Daniele Fonseca, diretora de recursos humanos, comunicação e sustentabilidade da Embraco. “Aumentamos a visibilidade do colaborador para possíveis movimentações, com mais clareza sobre as competências necessárias para o seu crescimento.”
A executiva lembra que, antes, os líderes de projetos não eram enquadrados nem como gestores nem como técnicos. A partir dessa constatação, a empresa disparou uma revisão no quadro de cargos e trilhas de carreira. “Hoje, a opção em W é o fio condutor que identifica o potencial para o desenvolvimento, com a consolidação das três vias que existem na companhia: a técnica, a administrativa e a de projetos”, explica Daniele.
A meta é que o funcionário suba degraus conforme suas características e necessidades de especialização. Caso tenha um foco maior em competências específicas, pode seguir a carreira técnica. Se a escolha for pelo desenvolvimento comportamental, o caminho será a área administrativa ou de gestor. “E, se gostar das duas alternativas, a linha a seguir será a de liderança de projetos”, explica.
Durante a gestação do modelo, a área de recursos humanos fez ajustes para aperfeiçoar os movimentos de promoções. Nos primeiros três níveis da carreira técnica e de projetos, os profissionais podem ampliar conhecimentos e compreender melhor as possibilidades de ascensão. Também participam de recrutamentos internos e do rodízio de funções (“job rotation”). “A principal diferença da W é que, para um gestor de projetos, são demandadas competências que mesclam habilidades administrativas com muito conhecimento técnico.”
Outra mudança aconteceu nas avaliações funcionais. “Elas são feitas de forma mais justa, dentro de cada área de conhecimento, de acordo com o perfil do colaborador e da trilha de carreira escolhida”, diz Daniele. É o caso do pesquisador master Dietmar Liliem, 57 anos, que está na empresa há 36. Contratado como mecânico de manutenção, passou a fazer parte do time de P&D nos anos 1980 e, desde então, não para de galgar funções.
“Entrei na área de manutenção, mas não me encontrei profissionalmente. Sempre queria desmontar as máquinas para entender como funcionavam”, diz. “Perceberam que eu era curioso e essa curiosidade se encaixou com as necessidades do grupo.”
Liliem afirma que a carreira em W o ajudou a crescer na área técnica e também em aspectos de liderança. “A minha realização pessoal sempre foi criar e não me via fazendo um trabalho simplesmente gerencial.” Mas o nível de responsabilidade dos projetos ganhou corpo e ele teve de “correr atrás”. “O maior vício que superei como gestor foi o de ser o dono da verdade. Agora, mesmo no cargo mais alto da carreira técnica, não me vejo mais assim.”
Para a diretora de recursos humanos Daniele Fonseca, além de mudanças de atitude dos funcionários, a empresa espera que a carreira em W angarie maior engajamento e resultados do quadro. “A reciprocidade entre o profissional e a companhia deve contribuir para o alcance de metas, por meio do conhecimento gerado das pessoas certas nos cargos certos.”
Goes, da consultoria Ockam, lembra que a carreira em W começou a ser praticada no Brasil com mais ênfase há cinco anos, principalmente entre empresas de tecnologia, mas já começa a se espalhar para outros setores, como engenharia e saúde – a Promon Engenharia e o Hospital SiSírio Libanês adotam o método. “Ao mesmo tempo, muitos empreendedores, de alguma forma, já a praticavam, pela necessidade de desenvolver habilidades técnicas e comportamentais para fazer seus negócios prosperarem”, diz. “Prova disso é que é, entre as startups, os ‘profissionais W’ são bastante requisitados.”
Segundo o especialista, a tendência é que o modelo se expanda nos próximos anos. Estamos vivendo em um mundo volátil, incerto e complexo, diz. “As respostas que as empresas e os profissionais precisam dar a esse novo ambiente de negócios, com diferentes problemas e desafios, abrem espaço para a carreira em W. “Esse profissional gravita bem nas questões técnicas mas, acima de tudo, combina competências para liderar, trabalhar em time e inovar.”
Foi o que aconteceu com Cleber Daniel Paiva, especialista em smarketing (área que reúne vendas e marketing) da Proof, empresa brasileira do setor de cibersegurança, com 110 funcionários. Na companhia há dois anos e há seis meses na carreira em W, ele assumiu mais responsabilidades e ganhou acesso a novas áreas da organização. “O fundamental nessa mudança é ter um contato direto com a estrutura do grupo e seus direcionamentos, além de participar de reuniões estratégicas”, diz o executivo de 24 anos, que ingressou na empresa como estagiário.
Para ele, a carreira em W proporcionou um aprendizado mais rápido na rotina de executivo, favoreceu o crescimento profissional e reforçou a empregabilidade. Mas também cobra um preço. “O mais difícil é realizar tudo o que é demandado no dia a dia e, ao mesmo tempo, criar novas iniciativas na corporação”, diz. “A via em W dá maior autonomia, mas é preciso ser muito focado e organizado.”
Implementação requer a preparação de todas as áreas
Empresas interessadas em adotar a carreira em W devem envolver todas as áreas impactadas na criação da metodologia. É importante que essa parceria aconteça para que o novo modelo seja condizente com a realidade das chefias, que atuarão como patrocinadoras da mudança. “Elas vão fomentar a adesão”, diz Daniele Krassuski Fonseca, diretora de RH da Embraco. Especialistas asseguram que o conceito pode ser aplicado em companhias de todos os portes e setores. Executivos em cargos mais elevados, como diretores e presidentes, também podem abraçar a novidade.
“Os profissionais estão, cada vez mais, entendendo melhor as novas demandas do mercado de trabalho”, afirma Fernando Goes, sócio administrador da consultoria Ockam. “Não adianta deter somente o conhecimento técnico sem desenvolver habilidades que o transformem em resultado e valor.”
O consultor diz que empresas de diversos segmentos estão aplicando a carreira em W em todos os níveis hierárquicos, inclusive no topo da pirâmide. “Um ‘CEO W’ poderá ser muito melhor do que um tradicional”, compara. “Ele terá as competências estratégicas e comportamentais de um gestor e ainda conseguirá discutir e aportar soluções técnicas de alto impacto no negócio. Há uma tendência muito forte das empresas asiáticas nessa direção.”
No Brasil, essa estratégia já está ganhando musculatura, segundo Gabriel Bozano, gerente de recursos humanos da Proof. Com escritórios no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória, a empresa de tecnologia se prepara para a internacionalização e aposta no quadro técnico como um diferencial na execução dos projetos para os clientes. Ela formalizou a carreira em W no ano passado e seis funcionários já seguem a nova trilha. A expectativa é ter, anualmente, de 5% a 10% dos mais de 100 funcionários dentro do conceito.
“Sempre tivemos colaboradores de perfil multitarefa”, diz. “São profissionais que buscam a especialização, mas percebem a necessidade de se desenvolverem como gerentes de projetos.” Na Proof, a ideia é que os talentos de alto desempenho também possam deixar de ser apenas contratados para se tornarem sócios minoritários do grupo. Para ingressar na carreira em W, o funcionário passa por testes comportamentais, avaliações de gestores e de desempenho.
Emanuel Mota Cordioli, diretor de tecnologia da Neoway, empresa com 250 funcionários especializada em soluções de inteligência de mercado, diz que o profissional mais adequado para a carreira em W acaba emergindo na equipe. “É um caminho natural, em que identificamos no colaborador qualidades técnicas e influência nas decisões estratégicas”, diz.
Carlos Guilherme Nosé, CEO do Fesap Group, de seleção de executivos, afirma que não há uma carreira em W ideal ou padronizada. “Cada empresa precisa desenhar um modelo para atender as suas necessidades”, diz.