As empresas que conseguem se transformar são as que sabem preparar suas lideranças
Por Letícia Arcoverde e Stela Campos, de São Paulo
O cenário turbulento de crise pelo qual passam as empresas no Brasil reflete uma máxima que o mundo dos negócios reconhece, mas com a qual ainda se esforça para lidar: mudar é uma constante. Seja uma reestruturação para cortar custos, um reposicionamento estratégico do negócio ou até uma profunda transformação de cultura, as empresas não podem mais apostar no que deu certo no passado. E para dar esse passo à frente – muitas vezes sem garantia de sucesso -, elas dependem de seus funcionários.
Não é surpresa, portanto, que as premiadas este ano pelo alto índice de engajamento na pesquisa “As Melhores na Gestão de Pessoas”, realizada pela Aon/Valor Carreira, apresentem maior capacidade de se transformar do que as concorrentes. O novo índice de gestão de mudança desenvolvido pela consultoria Aon, pela primeira vez incluído para compor a nota final da pesquisa, é de 78% nas melhores e de 60% nas demais. Nas 35 ganhadoras, os funcionários demonstram mais confiança na capacidade da organização em se adaptar a mudança de mercado e na preparação de seus líderes para isso. “A gestão da mudança deu o tom nas empresas neste ano de crise”, explica Marcelo Munerato, CEO da Aon Brasil.
“As organizações só mudam se os indivíduos se transformarem”, diz Fernando Góes, sócio-diretor da consultoria Ockam. Especialistas e profissionais de recursos humanos concordam que promover um processo de mudança só resulta em sucesso se as pessoas participarem de forma ativa – uma tarefa que fica mais fácil quando estão engajadas.
Para mudar, acima de tudo, é preciso haver engajamento, desde a alta liderança até o menor nível hierárquico, define André Rodrigues Cano, diretor-executivo do Bradesco, ao se referir ao processo de integração do HSBC Brasil, que envolve mais de 500 pessoas. “Foi o negócio mais importante da história do banco”, afirma Cano.
Na Central Nacional Unimed (CNU), que incorporou mais de 11 mil novos clientes da Unimed Paulistana, funcionários foram realocados, o quadro aumentou e novas estruturas de atendimento tiveram que ser montadas. “Nessas horas, o engajamento com o propósito da empresa faz toda a diferença. As pessoas precisam acreditar que suas atividades têm sentido”, diz Mohamad Akl, presidente da CNU.
Na São Bernardo Saúde, uma reorganização interna para refletir uma mudança de estratégia foi desenhada pelo próprio presidente com a ajuda dos demais líderes. “A ideias precisa ser “comprada” por todos, para garantir que eles estejam engajados em um único objetivo”, diz a gerente de RH, Mariani Rodrigues de Oliveira. O presidente da Pormade Portas, Claudio Zini, complementa: “Fica mais fácil pedir ajuda para as pessoas quando todas sabem exatamente o que está acontecendo e para onde a empresa caminha”.
“Qualquer processo de mudança, para ser bem-sucedido, precisa ter metas e formas de alcançá-las de maneira clara”, afirma o vice-presidente de pessoas da Embraer, Mauricio Aveiro. Por isso, apontar para o caminho certo é a principal função dos executivos neste momento. “Os líderes são referência para os colaboradores”, diz a coordenadora de gestão de pessoas da Unimed Rio Preto, Geila Hipólio. Em períodos de crescimento, a companhia consegue sobreviver apenas com gestores, explica Anderson Sant´Anna, coordenador do núcleo de desenvolvimento de pessoas e liderança da Fundação Dom Cabral (FDC). Mas, quando o cenário piora, “a gestão precisa das lideranças”, diz o professor.
Se a capacidade de gerir mudanças é hoje uma competência essencial para se tornar líder, um dos pontos mais importantes é a comunicação. É por meio dela que os funcionários vão entender os motivos da mudança e enxergar um norte para onde caminhar.
CONJUNTURA
“Os líderes seniores precisam ser muito claros sobre o que precisa se manter estável, como os valores da empresa, e o que hoje precisa ser dinâmico, como o posicionamento no mercado ou o foco dos gestores”, diz Rita McGrath, professora da Columbia Business School e especialista em gestão de mudança. “As pessoas ficam paralisadas quando elas não sabem o que é esperado delas.”
Na distribuidora de combustíveis Alesar, cuja venda para o grupo Ultrapar ainda depende de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o processo de mudança está sendo liderado pelo RH com ajuda de consultoria externa e participação próxima da liderança. “O presidente da empresa tem se encarregado de conversar com todos os gerentes e explicar a transição”, diz o gerente-executivo de RH, Vladimir Barros.
Na VIx Logística, as estratégias de comunicação para reposicionamento da marca buscaram engajar os funcionários, mas coube aos gestores garantir o sucesso. “Preparamos os líderes para administrar os conflitos e as expectativas envolvidas no processo de mudança”, diz Débora Abade, gerente de RH.
Para Soraya Bahde, diretora de geste e gestão da Alelo, empresa de cartões de benefício, a comunicação tem que ser transparente sobre todos os aspectos – sejam positivos ou negativos. “É preciso falar das dificuldades e ter incentivo para os comportamentos e resultados desejados”, diz.
Momentos de reestruturação costumam desestabilizar o ambiente interno da organização. A melhor forma de manter o engajamento é agir de forma consistente com seus valores”, explica Tarciso Nogueira, gerente de RH da química Lanxess. No último ano, a empresa passou por processos de aquisição de novas linhas de produto. Foram criados grupos de trabalho com profissionais de diversas áreas para garantir o fluxo de informação.
Sem uma comunicação transparente, há mais chance de a empresa encontrar resistência dos funcionários a mudar, explica Denise Delboni, professora de relações trabalhistas da Fundação Getúlio Vargas. “Se eu disser simplesmente que amanhã você não pode fazer mais assim, eu mato o processo de mudança. O funcionário precisa ser chamado a participar”, diz.
Na concessionária de rodovias Arteris, que deu início neste ano a um plano de eficiência, os canais de comunicação interna foram reformulados para aproximar todas as empresas do grupo. “Estabelecer um modelo de governança também é fundamental. Os papéis precisam estar bem definidos para eu todos possam cumprir suas tarefas”, diz Eliana Cachuf, diretora de pessoas e organização.
Na opinião de Hélida Mendonça, diretora de RH e comunicação da Forno de Minas, o desafio é tornar claro como o processo de mudança está alinhado com as diretrizes da companhia. “Desde a diretoria até o chão de fábrica, as pessoas só se mobilizam por algo que faz sentido para elas”, afirma.
Isso passa por uma estratégia com objetivos bem definidos e funcionários dispostos a defende-la, explica o presidente da Basf para a América do Sul, Ralph Schweens. “Uma rede de agentes de transformação é necessária para replicar casos de sucesso, bem como perceber como a mudança está ocorrendo”, diz. Por isso, ajudam na comunicação com o resto dos funcionários.
“Além da mudança no modelo do negócio, realocamos esforços para que as pessoas se percebam como agentes das mudanças”, explica Gaetano Crupi, presidente da Bristol-Myers Squibb (BMS). Para Lídia Abdalla, presidente-executiva do Laboratório Sabin, quando algo passa a ser feito de forma diferente, a transparência precisa alcançar 100% da organização. “Assim, é maior a chance de ser bem-sucedidos”, diz.
As empresas que mais obtém sucesso no atual ambiente de negócios são as capazes de incorporar essa agilidade à sua maneira de trabalhar. Com os ciclos de mudança cada vez mais curtos, é preciso ter funcionários preparados não só para promover alterações de curso específicas, mas para mudar o tempo todo, diz Anderson Sant´Anna.
Para o superintendente de RH da sucroalcooleira Guarani Tereos, Carlos Leston, as empresas que se reposicionam de forma mais rápida acabam saindo na frente. “É preciso preparar a equipe para apresentar a resiliência que o mercado pede”, afirma. A farmacêutica Libbs criou, recentemente, uma gerência de aprendizado e mudança para acompanhar esses processos. “As pessoas têm crenças e comportamentos bem estabelecidos, o que dificulta promover uma mudança de grande impacto. É importante ter acompanhamento, para entender se o caminho está certo”, diz a diretora de RH, Madalena Ribeiro.
Com práticas de gestão maduras, as transformações ocorrem dentro de um fluxo organizado e geram menos efeitos colaterais, afirma Roque Pellizzaro Junior, presidente da SPC Brasil. “Mas é preciso muito trabalho de estruturação. ” Na Usina Coruripe, que desde 2013 substitui o modelo de empresa familiar pela gestão profissionalizada, a crise acelerou algumas mudanças. “Processos foram otimizados com o objetivo de reduzir custos e aumentar a produtividade”, diz Fábio Moniz, diretor de administração e recursos humanos.
Para a empresa estar aberta a mudanças, a cultura organizacional “precisa fomentar a capacidade de adaptação porque permeia todo o processo, e isso precisa ser levado em consideração”, diz Fernando do Valle, diretor de RH da 3M do Brasil, que no fim de 2015 cortou 10% do quadro como parte de um plano global e diminuiu o número de diretorias. O primeiro passo, na opinião de Rita McGrath, da Columbia, é que a liderança sênior tenha como prioridade dar respostas rápidas a mudanças no ambiente externo e promover a inovação.
Mudar a cultura não é fácil e exige mexer em aspectos concretos da organização. Em 2007, quando a rede de varejo da Riachuelo unificou os setores de confecção, logística e finanças da empresa, o que mais fez diferença foi a alteração no sistema de remuneração, que começou a compensar os diretores com base no resultado global. “Os executivos passaram a se ver não como adversários, mas como integrantes do mesmo time”, explica o presidente Flavio Rocha.
Ao longo do último ano, o Itaú Unibanco investiu na digitalização de suas operações e criou, com a ajuda de consultoria externa, estruturas horizontais com profissionais de diferentes equipes. “Assim damos mais agilidade ao lançamento de projetos”, diz Marcelo Luiz Orticelli, diretor de recursos humanos. A Lojas Renner monta equipes e dá desafios de estratégia. “Esse também é um fator de retenção porque as pessoas sentem seu potencial valorizado”, diz Clarice Martins Costa, diretora de RH.
Marcelo Munerato, da Aon Brasil, destaca que a colaboração é fundamental para o momento de mudança. Quando os funcionários conseguem trabalhar juntos – e a empresa dá esse espaço -, fica mais fácil garantir a comunicação sem ruídos e o alinhamento entre todas as áreas na direção de um objetivo comum. Um processo de transformação precisa ser construído de dentro para fora, diz Guido Savian Jr., presidente administrativo da Embracon. “Assim, quando chegamos ao fim, as pessoas não questionam essa ou aquela tomada de decisão, porque elas participaram do processo desde o começo. O projeto tem o DNA delas.”