Habilidade valorizada, criatividade pode ser desenvolvida



Paula Pauli / ESPECIAL PARA O ESTADO

Um dos atributos mais valorizados nos profissionais pelas empresas é a criatividade, seja para propor mudanças estruturais ou elaborar novas maneiras de cumprir tarefas e processos. Apesar de ser vista por muitos como um privilégio inato e exclusivo de uma minoria, a criatividade é, segundo profissionais da área, uma habilidade que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa.

“Comparo a criatividade ao ato de dançar. Algumas pessoas nascem com mais destreza para isso do que outras, mas aqueles que aprendem a técnica, praticam e se empenham podem chegar até mais longe do que os primeiros”, diz a consultora especialista em criatividade e inovação Gisela Kassoy.
Ser criativo não necessariamente requer a criação de aparatos revolucionários ou ideias mirabolantes. Uma maneira simples, porém diferente, de chegar a um resultado também é uma forma de inovar. Criatividade, então, é a capacidade de fazer novas conexões entre elementos que já existem no repertório, na memória das pessoas, sem que necessariamente esses elementos tenham muito em comum. Isso brinda ao cérebro uma nova associação.

Segundo a professora de criatividade, inovação e design da HSM Educação Executiva Solange Mata Machado, para que novas associações sejam assimiladas e a criatividade desponte, em primeiro lugar é preciso ter atenção às atividades cotidianas. “Mais de 90% das ações que realizamos diariamente são padrões mentais, hábitos que repetimos no piloto automático. Isso vicia nosso modo de pensar, já que são usadas sempre as mesmas informações que já conhecemos”, diz.

Para desprender a criatividade bloqueada, como para libertar os pés e o corpo numa dança, é possível e recomendável, segundo ele, desenvolver a habilidade por meio de algumas práticas. Ampliar o acervo mental com novos aprendizados, lugares, pessoas e histórias, por exemplo, garante novos estímulos e implica em um aumento da capacidade criativa.

Por isso, afirma Kassoy, um exercício valioso é fazer, pelo menos uma vez ao mês, alguma atividade que seja inusual em relação àquilo ao que está habituado. “Vale ir a uma exposição diferente, ao show de um artista que não conhece ou conversar com pessoas de outras áreas, ou cujas ideias diferem das suas”, indica ela.

O engenheiro Victor Morandini Stabile, de 29 anos, vai na mesma linha. “A criatividade se manifesta quando vivenciamos situações novas, saímos da zona de conforto. É quando ficamos mais atento ao ambiente ao redor e surgem novos estímulos, que trazem uma ideia fresca.” Ele é diretor da incubadora Sanca Ventures, de São Carlos.

Outra prática saudável para expandir o potencial criativo é aguçar a curiosidade. “É preciso ser mais curioso, fazer mais perguntas, tanto para si mesmo quanto aos outros, assim como fazem as crianças”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), José Roberto Marques.

A criatividade intensa inerente aos seres humanos nos primeiros anos de vida, muitas vezes se ofusca com o tempo, também pela necessidade de aceitação social. Gisela afirma que a criatividade da infância deve ser preservada, mas direcionada aos objetivos profissionais da pessoa conforme seu crescimento. Foi como Victor canalizou sua criatividade. “Sempre me achei criativo, mas durante a infância, o lado artístico era o que se destacava. Com o passar dos anos, mudou a direção para qual eu dedico a minha criatividade”, diz ele, que também é diretor técnico da Calamar, uma empresa que usa inteligência artificial para automatizar respostas nas caixas de mensagens corporativas.

Mudança. De acordo com Marques, é preciso se empenhar para tentar mudar a maneira de executar as atividades profissionais. “A rotina monótona causa lesão na pessoa. Mudar a forma de desenvolver as tarefas fomenta a criatividade”, diz ele.

Até mesmo a variação em atividades nas quais geralmente não se presta muita atenção pode influenciar. “Se pessoas que respiram muito rápido aprendessem a controlar a respiração, ganhariam muito com isso, e vice-versa.”

Zelia Silveira, gerente de planejamento de operações da Suzano, descobriu na prática como os benefícios de alternar os meios para atingir resultados. “Abandonei a ideia de ‘fazer igual porque assim sempre funcionou’. Aprendi, na empresa, a pensar diferente, ainda mais por causa da crise.” Zelia atribui a mudança no modo de encarar o trabalho a um curso que fez, bancado pela companhia, voltado à criatividade. “Hoje, os mais variados setores da empresa dialogam entre si. Nos reunimos em grupo multidisciplinares, e esse intercâmbio entre áreas, além de render bons projetos, gera muita confiança, em si e no grupo.”

Na tentativa de introduzir mais criatividade em suas dependências, muitas empresas têm adotado técnicas como brainstorm e design thinking. Para o coach Fernando Góes, é preciso olhar com ceticismo para algumas dessas iniciativas. “Se a alta cúpula da empresa mantém o pensamento hierarquizado e retrógrado, pouco ou nada vai mudar,” diz Góes. Para ele, o mesmo vale para espaços de trabalho descolados.
“Se não há filosofia por trás, os ambientes com mesas de sinuca e redes de balanço servem mais para aparecer na mídia do que para promover a inovação na empresa,” afirma. “No fundo, o verdadeiro motor da criatividade é o fator confiança.”


Como potencializar a aptidão:

Autoquestionamento

Pergunte mais a si mesmo “por quê não?” e questione “e se?”. Essa prática expande o olhar para possibilidades alternativas.

Observação
Esteja atento ao ambiente que o cerca para compreendê-lo e assimilar os problemas – e soluções – que existem ao redor.

Novas experiências
Esteja aberto para se conectar com pessoas, lugares, atividades e conhecimentos aos quais não está habituado para ampliar e diversificar o repertório.

Associações
Tente estabelecer conexões entre elementos que aparentemente não têm nada em comum. Por exemplo, um gato e uma canção.

Curiosidade
Faça mais perguntas aos outros. Ao se deparar com opiniões divergentes, em vez de julgar, tente entender o raciocínio do emissor.

Hiperfoco
Sempre dedique atenção e foco totais à atividade que realiza. Essa imersão leva a mente a um estado de fluxo que favorece a criatividade.

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