A figura do conselheiro independente ganhou força exatamente após a crise que se instaurou na Petrobras, quando as decisões dos conselheiros (do Conselho) foram colocadas em xeque pelo mercado e passaram a ser investigadas. Na prática, a lei das Sociedades Anônimas exige a criação do conselho, mas a presença dos independentes é obrigação para as companhias de capital aberto listadas em segmentos especiais de governança. No Novo Mercado, segmento de mais elevadas exigências de governança corporativa da BM&FBovespa – que está em processo de modernização neste momento -, é obrigatório 20% de membros independentes no grupo.
No entanto, é sobre o que define a tal independência que hoje está no foco, uma vez que, pelas regras do Novo Mercado, por exemplo, ela é caracterizada pelo não vínculo do conselheiro com a empresa, exceto participação de capital, não ser acionista controlador, cônjuge ou parente, não ser e não ter sido nos últimos três anos empregado ou diretor da companhia, entre outros pontos. O que a regra não estabelece são questões mais tênues e que passam muitas vezes despercebidas, como laços de amizade e dependência financeira do salário de conselheiro, detalhes que podem minar a voz deste profissional dentro do colegiado.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define que os conselheiros independentes podem contribuir significativamente na tomada de decisão. Assim, é desejável que essa característica de independência seja preservada. “Eles podem trazer uma visão objetiva para a avaliação do desempenho do conselho e de gestão. Além disso, eles podem desempenhar um papel importante em áreas onde os interesses de gestão, a empresa e seus acionistas podem divergir, como remuneração de executivos, planejamento sucessório, mudanças de controle societário e sobre aquisições”, de acordo com o manual da organização.
O sócio da Mesa Corporate Governance, Herbert Steinberg, que atua como head hunter de conselheiros, afirma que é fácil identificar diversos perfis de conselheiros nas companhias, muitos deles “ditos independentes”. “Independência significa especialmente independência intelectual”, define. Entre os tipos encontrados está, segundo o especialista, o “conselheiro da boquinha”, que é aquele que faz a vida de conselheiro sua profissão e que, dessa forma, pouco quer contrariar para garantir o ‘emprego’.
Há ainda, segundo ele, o conselheiro da “bênção”, que é aquele com nome e reputação reconhecida no mercado, contratado pela companhia para ser conselheiro como forma de ‘emprestar’ sua credibilidade ao órgão. Outras definições são o conselheiro gestor, ex-executivo da companhia, e o “chato de plantão”, aquele que discorda de tudo e pouca agrega para as discussões.
Independência de fato
“Avançamos pouco, há pouca mudança de cultura”, destaca Steinberg. Na sua visão, a demanda existente hoje é para o cumprimento de obrigações regulatórias e muitas empresas não querem profissionais cuja presença melhorará a qualidade dos processos da companhia, lembrando ainda que um conselho de administração é apontado como um dos pilares da governança corporativa, dada sua função fiscalizadora. Essa fiscalização acaba não existindo quando a independência de opinião do conselheiro não se concretiza.
Outro ponto que merece atenção, frisa Fernando Góes, sócio da consultoria Ockam, que atua com a implementação de iniciativas voltadas para o desenvolvimento organizacional e transformação cultural, são os casos de elevadas remunerações dos conselheiros. Na sua opinião, uma remuneração milionária pode afetar a independência do conselheiro e essa questão precisa ser foco de atenção por parte dos investidores.
Além do valor pago, Góes critica pagamentos variáveis a conselheiros, ou seja, que mudam de acordo com a performance da empresa em um determinado intervalo. “Esse tipo de remuneração pode induzir que o conselheiro olhe a remuneração em detrimento da visão de longo prazo da companhia”, diz. No caso, esse tipo de remuneração criaria um item de conflito de interesse do conselheiro em relação a suas decisões.
Mas outros detalhes também podem comprometer a independência, afirma Goes, da Ockam, como a presença de conselheiros de longa data na companhia, fato que faz com que os laços se estreitem, tornando o olhar “viciado”.
Proposta
Tamanha dificuldade em delimitar ao certo qual o nível da independência dos conselheiros que carregam essa placa, o sócio do Faoro & Fucci Advogados, Raphael Martins, acredita que uma das soluções seria deixar a parcela dos conselheiros independentes para serem escolhidos pelos acionistas minoritários.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) diz ainda que o “papel dos conselheiros independentes é especialmente importante em companhias com capital disperso, sem controle definido, em que o papel predominante da diretoria deve ser contrabalançado”. A entidade diz ainda que para se promover a independência no julgamento de todos os conselheiros e a integridade do sistema de governança, os independentes devem ocupar participação relevante em relação ao número total de conselheiros.
Mas nem para esse ponto há consenso. Para o sócio da Demori Claudino, Siemsen & Saldanha Advogados, Felipe Demori Claudino, falta alinhamento de interesses entre os conselheiros independentes e os acionistas para a geração de valor da companhia. “Uma remuneração variável e de longo prazo geraria mais alinhamento. É preciso ser mais crítico em relação à importância dos conselheiros independentes”
Busca pela perenidade Fora do mundo da bolsa de valores, as empresas familiares estão olhando para instrumentos de governança corporativa para trabalharem na perenidade da companhia. A demanda dessa empresas para a formação de conselhos de administração vem crescendo, conta Arthur Vasconcellos, da Caldwell Partners. “As famílias passaram a entender que para perenizar o negócio ao longo do tempo, é necessária a adoção de modelos estruturados de governança corporativa”.
Para o presidente da Value Bridge, Sérgio Almeida, essa demanda entre as empresas familiares é ainda maior nas companhias familiares que apresentaram grande crescimento, o que acaba levando os fundadores a buscarem apoio na governança corporativa, já que começam a ter que lidar com questões que antes não faziam parte do negócio.